Refugiados: dificuldades de viver em um país desconhecido
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Abdoulaye Guibila. 31 anos de idade. 6 deles no Brasil.
Abdoulaye queria sair da África, de Burkina-Faso, para ter uma vida melhor, mas nunca passou pela cabeça vim para o Brasil. Tinha três opções em mente: Inglaterra, Estados Unidos ou Canadá.
“Pegaram meu passaporte, falaram que conseguiram um visto para o Brasil, eu fiquei meio assim, por não saber a língua e não conhecer ninguém, mas me falaram que era uma oportunidade de trabalho, de estágio em eletrônica. Na verdade, eu fui enganado.
Para mim, a melhor alegria era sair de lá, conseguir uma coisa melhor. Nunca pensei em desistir. Estava com medo por conta do idioma, “será que vou conseguir falar com alguém que vai me entender?”.
Eu só estava vindo confiando no que me falaram, me deram um endereço e o contato da empresa. Mas eu cheguei e era tudo mentira, me enganaram, e eu só descobri quando estava aqui no aeroporto de Guarulhos.
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Meu irmão já tinha me dado uma dica: quando chegar em um país desconhecido tentar falar com um taxista, que conseguiria me orientar e me levar para um hotel. Eu cheguei e falei para eles “hotel, hotel” e me levaram até a República, onde eu fiquei por dois dias.
“Eu estava feliz por ter saído de lá, mas estava com medo”
No segundo dia, no Brasil, eu estava na frente do hotel olhando e passou um rapaz vendendo relógio. Na África, quem é de Senegal, geralmente não trabalha para ninguém, prefere vender essas coisas. Nessa hora, eu já pensei “meu, é do Senegal” e chamei em francês e comecei a conversar com ele.
Ele me disse que aqui era bem melhor do que na África, que se fosse uma pessoa batalhadora, conseguiria me manter e conseguir uma vida melhor.
Depois disso, ele me indicou uma casa de imigração: o Arsenal da Esperança. Falou que podia ficar lá por um, dois anos, até eu arranjar algo fixo e conseguir alugar uma casa. Essa foi a minha sorte.
No Arsenal eu fui bem acolhido. Tem horário para entrar, almoçar, sair e para jantar. Mas para mim, era tudo perfeito, eu queria pelo menos um lugar onde pudesse descansar, deitar a cabeça tranquilo, ter o mínimo de segurança e não ficar na rua.
De manhã, às 7 horas, eles acordavam a gente, davam café da manhã, mas tinha que sair e só podia voltar às 17 horas. Tinham empresas que iam buscar a gente para trabalhar, para fazer freelas: colocar aquela placa, ficar distribuindo jornal ou ajudar em uma reforma.
“Eu tava com medo de o povo não me aceitar do jeito que sou”
Mas, realmente, foi totalmente o contrário, eu me surpreendi muito.
Descobri que no Arsenal da Esperança eles davam aula de português. Comecei a pensar “eles dão aula de tudo isso de graça, por que você não aproveita?”. Mas, eu trabalhava de manhã, fazendo aquele negócio de placa e depois fui registrado na obra. Chegava às 19 horas cansado e a aula era duas vezes por semana, terça e quinta, das 19h até às 21h.
Português era difícil, mas eu estava muito empolgado. Essa aula me ajudou muito, tanto a escrever quanto melhorar a fala.
Eu sempre pensei que já que estava no Brasil, se fosse para voltar para África, pelo menos eu tinha oportunidade de aprender um idioma a mais.
Comprava dicionário, tinha livro, comecei a ler a história do Brasil, geografia, andava sempre com os livros. Depois de seis meses eu já conseguia entender o que vocês falam. Se falavam mais devagar, eu entendia.
Nessa aula de português que eu fazia, a professora me perguntou se eu sabia cozinhar. Eu falei que não sabia e ela perguntou se eu não pretendia sair do Arsenal um dia e me perguntou “quando sair do Arsenal como você vai se virar lá fora?”.
“E, lá na África, infelizmente, a gente cresceu nessa cultura machista, eu cresci ouvindo isso”
E ela me perguntou o que eu ia fazer, e respondi que ia arrumar uma brasileira que ficasse em casa, fazendo comida e arrumando as coisas tudo, e ela falou “ata, você vai arrumar isso no dia de São Nunca, aqui no Brasil não é a mesma cultura que lá na África”.
Essa parte me tocou muito, eu perguntei “é diferente assim?” e ela me explicou que aqui vocês também querem sair para trabalhar, fazer as coisas, e que podem fazer isso.
Mas, nunca passou na minha cabeça ter que aprender a cozinhar, a minha mãe sempre fazia. Fiquei pensando no que ia fazer depois do Arsenal, nisso de comida, e fiquei assustado.
Por isso, ela me deu a dica de um curso básico de gastronomia na Anhembi Morumbi. Fiquei com medo por, na época, não falar português tão bem.
“Eu falei que tinha vergonha, morava no Arsenal, e os alunos do Anhembi com carrão”
Mas acabei decidindo fazer o processo seletivo e passei.
Só que eu trabalhava na obra, já era registrado, e o curso era de manhã. A minha professora falou “ai que tá o problema, você quer uma vida melhor, quer crescer, estudando você tem mais possibilidade, melhor você sair de lá, fazer o curso e depois procurar um serviço melhor”.
Pedi desculpas para o meu chefe, agradeci a oportunidade e ele me mandou embora, pagou tudo certinho.
Fiz o curso de três meses. Na segunda semana eu já consegui um serviço à noite de comida japonesa, que ficava no Tatuapé, eu entrava 20h e ia até 4h da manhã.
No final do curso eles organizaram um concurso de sobremesa com alguns chefes renomados. Eu fiquei enrolando, por medo, e uma aluna pegou meus dados e me inscreveu.
No final, eu fiquei em primeiro lugar. Três empresas me chamaram para trabalhar: a do Henrique Fogaça, a Mania de Churrasco e a Pizzaria Villa Roma, que estou trabalhando até hoje, cinco anos de registrado.”
A história de Abdoulaye não é a única no Brasil. De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o país tem cerca de 43 mil refugiados. Nesses casos, quem ajuda essas pessoas são as ONGs e Institutos, como o Arsenal da Esperança.
Refugiados e a pandemia
A pandemia do novo coronavírus impactou a vida de todo mundo agora em 2020. Isolamento social. Desemprego. Falta de dinheiro. No entanto, no caso de refugiados, isso pode impactar de uma forma diferente.
Isso porque a realidade dos refugiados, ou imigrantes, de virem para um país sozinhos, pode afetar nesse momento. É o que me conta Marcelo Hadus, um dos fundadores do Instituto Adus e atual diretor executivo:
“Muitos não têm uma rede de relacionamentos, então se eu ou você perdemos o emprego a gente tem família próxima, amigos que podem dar um suporte, a maioria deles não conta com esse tipo de suporte. O único suporte que eles têm normalmente é das ONGs”, ressalta.
Além disso, Marcelo me lembra que por ser uma crise generalizada, as vagas de emprego estão cada vez mais disputadas “muitas vagas que muitos brasileiros desprezavam em alguma medida hoje pensam duas, três vezes antes de dispensá-las. Então, muitas vagas, para serviços braçais, estão mais concorridas. Está mais difícil incluir refugiados, a concorrência com brasileiros cresceu bastante”.
Preconceitos enraizados
Muitas empresas acabam não contratando refugiados por conta de alguns preconceitos formulados. “Não sabem quem são essas pessoas ou por que estão no Brasil, por que vieram, da onde vieram. Há estereótipos já muito enraizados. Acham que estão aqui sem documentos, que não podem ter documento em banco, acham que a forma de contratação de um refugiado é diferente da dos brasileiros.”, ressalta Marcelo.
O impacto da pandemia para Abdoulaye não foi muito diferente: trabalhava em dois restaurantes, um fechou e o outro tentou manter os funcionários, mas não conseguia manter o pagamento do salário. Por isso, ofereceu para fazer delivery, Abdoulaye poderia pelo menos ficar com a taxa de entrega e se manter.
No entanto, o impacto mais forte veio na hora de mandar dinheiro para casa. Assim como outros refugiados e imigrantes, Abdoulaye continua ajudando mesmo de longe.
“Eu sempre mando dinheiro para minha mãe ajudando com remédio, reforma. Porém, essa pandemia empacou muito aqui e na Europa, mas na África não foi tanta gente morrendo como a gente vê aqui. E quando eu explico para eles que a gente ficou cinco meses parados, eles não acreditam. Eu tinha que me virar para pagar as contas e mandar dinheiro para lá, a pandemia empacou muito”.
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